Pra Me Enlouquecer É Mais Caro

República Anárquico-frevocrática fundada em 2002 por Rainha do Maracatu Roubada de Ouro, Senhor do teu Anel e Catirina Sem Mateus. Atualmente é administrada pela Mulherzinha 3.4 e a Rainha do Maracatu Roubada de Ouro. Afinal de contas, nunca perdemos a nossa majestade

quarta-feira, março 31, 2010

Ah se eu tivesse um blog...

Preservarei a identidade virtual da colaboradora para evitar piadas ainda mais bisonhas do que a vida real que se segue.
Minha amiga passou por um processo 'gravidez-independente' e muita água rolou debaixo da ponte. no frigir dos ovos, dois anos sem ... você sabe o quê, né?

Ela estreou na terça-feira de carnaval.
"O cara é ótimo, psicólogo, amigo de uma amiga, independente, mora no interior, nem ia me aperrear. Mas não gostei. Acho que estava há muito tempo destreinada"

A estória começa a melhorar daqui por diante
Esquecido o psicólogo interiorano, ela retoma os contatos virtuais com um coleguinha de rede. Ele é filho de uma amiga dela (calma, ele e minha amiga têm idades similares) e se conheceram porque a mãe dele sempre a julgou a nora perfeita. Assim, a mãe passou o MSN do filho pra minha amiga e há coisa de seis anos eles são amigos virtuais.

O bofe namorou, o bofe casou, o bofe descasou. Dia desses chama a minha amiga pra conversar no MSN.

Encontros e cervejas depois, marcam uma nova saída pra um encontro mais carnal. Ela menstrua.

Foram pro motel assim mesmo. Ela de absorvente interno e tudo mais, na promessa (ingênua e burra) de que nada aconteceria, nada além de uns carinhos.

Nada, né? Rolou 'séquicsso-anal'. Segundo ela, foi tudo.
Esperou a menstruação passar e marcou de sair com o bofe hoje.

Ela tinha esquecido do detalhe que precisava fazer um exame cardiológico hoje. Daqueles em que os médicos colam ummonte de eletrodos em você, que fica mais parecida com a noiva do Frankenstein do que com uma mulherzinha.

Eu: E aí?
Ela: Expliquei pra ele como estou e vamos nos ver assim mesmo. A única coisa que ele perguntou era se os fios estavam desencapados. Hahaha


Uau! Isso é o que eu chamos de mulher inesquecível, heim?

Eu: E pode fazer 'assim', com essa parafernália toda?
Ela: Pode. O exame monitora nossos batimentos e temos que anotar tudo o que fazemos ao longo do dia em um formulário padrão. E entre as respostas possíveis tem lá a opção 'ato sexual'
Eu: É. Afinal de contas, o que vc vai contar pros seus netos?

Vai lá, amiga, arrasa no fio encapado, no fio desencapado, no fio terra....se joga e vai à luta!

Piadinha interna

Pra quem me lê há muito tempo, olha que tem gente que não envelhece jamais. Duvida?
http://tinyurl.com/yjam577

terça-feira, março 30, 2010

Saúde, saúde

Rainha, nem se aperreie o exame é só um sustinho para sua vida ficar mais animada. Vai dar em nada, nada, nada.

segunda-feira, março 29, 2010

Prende a respiração....

Resultado dos exames no ginecologista.
Devo procurar um mastologista pra fazer mais exames e parar de me preocupar.
Pra quem perdeu a mãe com câncer, a notícia não poderia ser mais assustadora
Eu, positiva que sou, ainda acho que é piada de mau gosto.

sexta-feira, março 26, 2010

Para tudo, parei... ou melhor, agora ando, não corro mais

Retrospectiva para uma nova vida

Foi em 1994, aos 17 anos. A menina do interior que tinha vindo estudar na capital só queria saber de uma coisa: trabalhar, trabalhar. Ter um dinheiro para dizer que é seu. Estudante de jornalismo, começou a trabalhar como estagiária de Serviço Social na empresa municipal que administrava os mercados públicos. Passava a manhã entrevistando donos de "box", como chamam as lojinhas dos mercados em Recife, para preencher um formulário de duas páginas. Nunca "fechamos" o formulário de um mercado inteiro por não encontrarmos todos abertos no horário da entrevista. Mas eu conheci a periferia de Recife.

O estágio era na Avenida Caxangá. De lá, seguia no meu querido CDU/BoaViagem, vulgo "Volta ao Mundo" com conexão pela Avenida Recife, para a UFPE. Na mochila, uma marmita com salada de batata e sardinha. O self do CAC (Centro de Artes e Comunicação) custava os olhos da cara. Não dava para bancar arroz com feijão para a jovem estudante. Assim foi durante um ano.

Em 1995, mudei de roteiro. Começava o dia com o Rio Doce/CDU. Da praça do Carmo, ia para o novo estágio, uma ONG que tratava sobre educação, direitos humanos e comunicação. Chefinho danado eu tinha !!!! Lá escolhi o nome para "assinar" matérias. Jornalista é assim, tem que reduzir o nome para virar profissional. Deve ser porque nao cabe tudo nas páginas. Aprendi lead, sublead e 70 toques na lauda e o danado do Word. Hoje tudo isso parece piada ou não passa de saudosismo. De Olinda, a viagem para a UFPE seguia pelo mesmo Rio Doce/CDU e, claro, terminava no inesquecível CDU/Boa Viagem. Troquei a marmita pelo cachorro-quente com refresco, tudo por R$ 1,00, na barraca-bicicleta em frente ao CAC.

Em 1996 ou 1995, fui para o jornal. Imagine eu, militante estudantil, agora escrevia sobre cultura: filmes, música, teatro e tv. Parecia provocação do destino com quem fez jornalismo achando que iria escrever sobre política e mudar o mundo. Digo hoje: foi o melhor caminho que trilhei para entrar na profissão. Na editoria de cultura, você aprende cedo a ter opinião e, principalmente e o mais difícil, a expressar a opinião. Hoje, sobre política é tudo que não quero escrever. Nessa época, o buzu ficou mais raro. Nao vou dizer tinha um carro, mas dividia um Chevette (álcool) com minha irmã, e já almoçava nos self do Centro. Me aventurava até a tomar doses de uísque em vez do vinho do garrafão de cinco litros.

Formada, em 1998, troquei o onibus pela ponte aérea e me mudei de mala e cuia para Brasilia. A capital federal, um imenso campus da UFPE que alterna áreas verdes com prédios, me trouxe a um novo universo: o do mundo cão, seja na cobertura de Cidades, seja na do poder. Tive o prazer de conhecer a periferia de Brasilia antes dos salões verde (Cämara dos Deputados) e azul (Senado) do poder e ver o quanto a primeira é bem mais limpa e sincera que a segunda. Um Gol Special 1.0 me acompanhava na jornada.

Em 2007, arrumei as malas e desembarquei no Rio de Janeiro, onde estou agora. Foram quase três anos em um grande/imensa empresa. Fazia tudo: lavava, passava, pregava botão e limpava a pia. Era jornalista, publicitária, assistente, relações públicas e secretária, nos intervalos. Uma grande experiência. Aqui, voltei ao querido mundo dos "coletivos". Em vez de nomes, me apeguei aos números, em especial ao 175 (os motoristas da linha devem fazer curso intensivo de direção perigosa. É um rally diário pelo Aterro do Flamengo). Na falta, traia o 175 com o 127, 128, 125. O 2011 e o 2016, nao.

Março de 2010: parei de trabalhar. Dezessete aos depois de entrar com minha prancheta pela primeira vez no Mercado da Madalena e começar no serviço, eu chutei o balde. Mandei a inércia de acordar-trabalhar-dormir para as cucuias.

Estou a procura de uma nova inércia. Ou de inércia alguma.

- Oi, mundo novo, muito prazer.....

quinta-feira, março 18, 2010

Jornalismo?

Não consigo deixar de ficar PASSADA com a leitura do Diario de Pernambuco sobre o caso Delma X Jennifer. Nem Shakespeare melhora esse enredo. Prefiro a imparcialidade do JC

segunda-feira, março 01, 2010

A prova cabal de que sou a Rainha do Maracatu Roubada de Ouro

RMRO sai às 11h da matina do último sábado num calor senegalense em companhia de Babs pro vuco-vuco ( a releitura do Saara, no Rio de janeiro, ou do Alecrim, em Natal...a versão mais próxima de um mercado persa ou das pulgas que existe em qualquer cidade do mundo) pra comprar uma bicicleta e um par de patins.

RMRO tinha ACABADO e fazer unhas e depilação. Não, não deu tempo de tomar banho. Estacionamos no Forte das Cinco Pontas e fomos andando até a Dantas Barreto (onde ficam as lojas especializadas em ciclismo). Imagina a cena: camelôs, transeuntes, amoladores de tesoura, venedores de chapéus, de água mineral, de tudo o mais a que se tem direito com exposição de Raios UV no máximo. Ah, o percurso era de mais ou menos 1 km.

Aí já comecei a assar no meio das pernas por causa da cera da depilação que não deu tempo de enxaguar. Ok. Nada que uma boa pomada não resolva.

RMRO compra a bicicleta e volta pra colocar no carro de Babs debaixo do sol esturricante. Estava quase no carro quando resolvi montar a bicicleta e testá-la. Na segunda pedalada, a corrente faz "TAC" e simplesmente arrebenta.

No resumo, tivemos que voltar lá (de carro) pra consertar a corrente. Cheguei em casa depois das 15h.

Adivinha: o pneu traseiro estava com defeito na válvula e ficou murcho do mesmo jeito. Consertemos pois. quando houver tempo, que o meu anda escasso.

No domingo, vamos eu e Babs a uma pista de patinação recém-aberta em Recife. Eu com os meus patins. Babs iria alugar um par.

Adivinha? Não haviam pares disponíveis pra locação.

Pra passar a raiva fomos fazer compraterapia no Shopping e ela adquiriu um par de patins.

Fomos terminar a noite no ITIBAN, cujo atendimento estava, no mínimo, sofrível.

Eita, 'danousse'. Se eu fosse uma pessoal mal-humorada, teria perdido o final de semana. Por ora, digo que foi muito divertido, apesar dos contratempos.

Encontro magistral entre literatura e jornalismo

Adoro textos bem escritos. Esse daqui é de uma lucidez magnânima. Não quero nem me dar ao luxo de grifar as melhores colocações porque acho que é muito individual pra cada um (sim, meus livros - pelo menos os bons - são repletos de comentários e sublinhados). Mas recomendo que leiam até o fim. Valem os dez minutos ganhos.

Escrivaninha Xerife
Minha nova vida precisa de gavetas e da coragem de assumir as cicatrizes

ELIANE BRUM
ebrum@edglobo.com.br
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém VêO Olho da Rua (Globo). 
(Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e

Esta coluna é inteiramente sobre mim. Aviso na primeira linha, que é para nenhum leitor reclamar que estava desavisado. Se achar que não vale a pena, pode parar por aqui e pular para outra.

Desde pequena, eu sonho com uma escrivaninha Xerife. Não sabia que se chamava xerife a escrivaninha dos meus sonhos. Descobri agora. Esta escrivaninha de madeira é cheia de gavetinhas e escaninhos de vários tamanhos e tem uma tampa. Quando você para de trabalhar, você fecha e ninguém sabe o que há lá dentro. Não tenho a menor ideia de onde eu possa ter visto uma dessas na minha cidade, lá no interior do Rio Grande do Sul. O fato é que eu sempre achei que essa era a única escrivaninha que um escritor poderia ter. Por causa das gavetinhas e, especialmente, por causa da tampa.

É mágico. Você está lá, escrevendo, todo escancarado e, de repente, você fecha. E até chaveia. Seus anjos e principalmente seus demônios ficam lá dentro, sem risco de se dependurarem no lustre, esconderem-se em algum lugar onde você não os ache ou mesmo assombrar o resto da família.

Tive várias escrivaninhas ao longo da vida, de fórmica à penúltima, toda modernosa, feita com madeira de demolição. No sábado, comprei minha última, a minha própria Xerife. Por que só agora? Porque só agora a mereci.

Decidi que vou me enforcar nas cordas da liberdade. Para isso, precisava me reinventar com tudo aquilo que já era meu. Para marcar este ato, queria transformar algo da matéria volátil dos sonhos em existência concreta. A escrivaninha dos devaneios da minha infância materializou-se, com tudo de incontrolável que existe quando nos arriscamos a desentocar os sonhos – com uma vara que é sempre meio curta – e os expomos às intempéries do real.

Foi um ato de profundo simbolismo para mim, que adoro rituais de passagem. Um dia antes da compra, na sexta-feira, deixei a redação da revista ÉPOCA, depois de dez anos. Poderia continuar ali por mais 20 (se continuassem me querendo, claro), mas achei que estava na hora de inventar uma nova vida para mim. Deixei Porto Alegre e a redação do jornal Zero Hora, onde trabalhei por 11 anos, em janeiro de 2000, para vir para São Paulo e para a ÉPOCA. Estava bem confortável lá. Mas há um momento que, pelo menos para mim, o conforto vira desconforto.

Na ocasião, me perguntavam por que eu deixaria tanto para ir para uma cidade maluca. Eu estava em um ótimo momento. Tinha acabado de ganhar um prêmio Esso (que para os jornalistas é muito importante), tinha uma coluna de reportagem (A Vida Que Ninguém Vê) que eu amava, adorava a cidade, tinha mais amigos do que conseguia dar conta, meu próprio apartamento quitado etc etc. Eu gostava de tudo, mas estava curiosa com a possibilidade de criar uma nova história para mim. Respondia: estou indo porque não quero saber como será a minha vida daqui a cinco anos. E fui.

Agora, completei dez anos incríveis na ÉPOCA. Fiz reportagens que transformaram a minha vida (e, espero, algumas outras), perambulei por Amazônias desconcertantes (elas são várias e sempre escapam), viajei pelas muitas periferias de São Paulo e testemunhei pequenos grandes milagres de gente. Hoje, sou povoada pelos personagens extraordinários com quem cruzei nesta última década. Sou uma Eliane muito mais rica agora do que quando cheguei. E tudo o que vivi dará sentido à nova Eliane que virá.

Não foi uma decisão intempestiva. Ela vem acontecendo dentro – e fora de mim – há um bom tempo. Há cinco anos tenho trabalhado nas férias e finais de semana em projetos paralelos, como documentários, livros, oficinas e palestras. Queria experimentar coisas novas e abrir outros caminhos para fora de mim. Outras maneiras de estar no mundo. Tenho uma convicção comigo: temos uma vida só, mas dentro dessa, podemos viver muitas. E eu quero todas as minhas.

Em 2008, comecei a escrever sobre a morte, de várias maneiras, em minhas reportagens na ÉPOCA. Olhar o rosto da morte, para mim, era desatar o nó que ainda me impedia de viver uma vida mais viva. Desde pequena, eu tenho esta característica. Quando tenho medo de alguma coisa, vou lá e faço. Quase perdi algumas partes do corpo por causa disso. E certamente perdi algumas porções invisíveis de mim mesma.

Ao fazer a principal reportagem desta série, quando acompanhei uma paciente de câncer até o fim da sua vida, perdi um naco da minha alma de supetão. Levei um tempão para parar de sangrar, como quem acompanha esta coluna sabe. Mas, um dos meus muitos apelidos é “Tixa”, de “lagartixa”. Há quem faça fantasias sobre a origem dele. Mas é bem menos picante. Passei a vida deixando a cauda em sustos pelas esquinas de mundo. Sempre acabo me regenerando, ainda que leve tempo. Todos somos lagartixas em alguma medida, apenas que eu abuso um pouco dessa vantagem evolutiva.

Minhas incursões no universo da morte deram-me maior clareza sobre a natureza da vida. Algumas pessoas comentavam que eu devia ter algum problema para ser tão mórbida. Bobagem. Morbidez é outra coisa. Não se fala da morte por causa da morte, mas por causa da vida. Lidar bem com a certeza que todos temos de morrer um dia, mais cedo ou mais tarde, é fundamental para viver melhor. E para compreender a natureza fugaz e preciosa da vida.

A vida rugiu com mais força dentro de mim depois dessas várias reportagens sobre a morte. A última delas, que encerra um ciclo, sairá em breve na revista. Faço 44 anos em maio. Fiz uns cálculos e descobri que preciso me apressar se quiser conhecer o mundo inteiro – e eu quero. E também para escrever o tanto que sonho. Como já disse mais de uma vez, escrever não é o que faço, é o que sou. E estava na hora de comprar minha escrivaninha Xerife e mudar de cenário.

Vou continuar fazendo reportagem. Apenas de um outro jeito, num outro tempo. Sou repórter até os confins da minha alma – e um pouco além. Se conseguir escrever ficção, como também sonho, só será possível pelo tanto de vida real e personagens de carne e osso que conheci nestes últimos 21 anos de reportagem. Só o real é absurdo. A ficção é sempre possível.

Estou com medo, muito medo. Volta e meia choro com saudade de uma vida que já não há. Mas eu não tenho medo de ter medo. Deixo um emprego seguro, numa revista onde respeitam o que sou e o que faço, com um bom salário e todos os benefícios, para me entregar ao vazio. Sei que tudo pode dar errado, sempre pode. Mas se der, eu invento outro jeito de seguir adiante. Esta é outra convicção que tenho: prefiro fazer as coisas do meu jeito e cometer meus próprios erros. Tanto quanto os acertos, os erros também devem nos pertencer.

Esta nova vida que começa hoje vem sendo construída há muito, mas só no final do ano passado descobri que a hora era agora. Não sei como foi. Nem se houve um momento exato. Lembro de dois pequenos episódios, apenas. Num deles eu corria para algum lugar com o João, meu marido, quando ele interrompeu meu passo marcial e disse: “olha”. Eu olhei para todos os lados e nada vi. Até que, com a ajuda dele, localizei uma florzinha diminuta no meio do concreto. Nós nos acocoramos e ficamos olhando o tanto de detalhes que ela tinha. Como era especial e linda e única. Aprendi isso com o João, que se esquece de tudo para passar intermináveis minutos vendo a forma de uma flor ou de uma nuvem ou de uma fatia de bolo de chocolate. Nunca vi ninguém enxergar tanta beleza no mundo quanto ele. Somos tudo o que somos. Mas as pessoas que amamos exacerbam algumas partes de nós, para o bem e para o mal. E o João tem este efeito sobre mim, de me tornar o melhor do que sou.

Naquele instante, percebi que corria tanto para fazer as tantas coisas paralelas que tinha inventado, que estava esquecendo daquilo que sempre deu sentido à minha reportagem, à minha vida: estava esquecendo de olhar de verdade.

O outro episódio aconteceu no final do ano. Eu estava com os meus pais na casa de praia que eles alugam a cada verão. E ficava olhando para eles. Me dava enorme prazer ver os dois se mexendo. Observar o jeito que cada um funcionava com relação a si mesmo e naquele casamento tão amoroso. (Eles andam de mãos dadas depois de 56 anos de casados e o pai dá flores pra mãe no aniversário de “conhecimento”). Num certo momento, fiquei olhando para o cabelo da mãe, o cabelo do pai, o jeito que o vento batia neles. E descobri que não podia mais continuar numa vida que eu não tivesse tempo para olhar o cabelo deles se mexendo com o vento.

Quando voltei para São Paulo e para a ÉPOCA, soube que tinha chegado a hora de partir. E agora lá vou eu. Não sei bem para onde, mas sei que é para mais perto de mim mesma.

Comecei então a procurar minha escrivaninha. Entrei no Mercado Livre, o site da internet que vende tudo, e coloquei na busca: “escrivaninha antiga”. E aí veio de todo o jeito e de toda época, com pés palitos, forma de bambolê, e também a minha, que descobri que se chama Xerife. Havia vários exemplares, mas gostei particularmente de duas. Uma era do Rio de Janeiro, o frete seria caro. A outra morava em São Paulo. Apostei nesta. O dono me deixou dar uma olhada nela antes de comprar. E lá fui eu na quinta-feira com o João num galpão da Barra Funda.

Ela era uma escrivaninha viva. Olhei para ela, ela olhou para mim, e eu soube que era a “minha”. Como na história do Harry Potter, em que é a varinha mágica que escolhe o bruxo – e só há uma varinha, única e singular, para cada bruxo –, a minha escrivaninha era assim, minha. Nasceu antes de mim e pertenceu a outros donos porque precisava me esperar.

Examinamos, eu e o João, ela inteira. E descobrimos que ela tinha mais cicatrizes do que nos prometeram. E alguns moradores indesejados. Numa das gavetinhas, havia um ninho de cupins. Nas costas, ela tinha sido quebrada em algum episódio de violência ou mau humor. Mas eu nunca fui uma boa negociante. As coisas práticas não têm muito efeito sobre mim. A escrivaninha também me receberia com mais rugas e feridas fechadas e abertas do que talvez esperasse. Nenhuma de nós nasceu ontem. Ambas queríamos – e precisávamos – nascer de novo.

Aceitei as cicatrizes da minha escrivaninha como parte da história de sua vida antes de mim. E fechei o negócio. Ela queria ir embora pra casa comigo já, eu senti isso. E o João também. Mas eu ainda precisava fazer o depósito e acertar o frete. Enquanto isso, o vendedor providenciaria um exterminador de cupins. Ao contar para a Maíra, minha filha, sobre a escrivaninha, eu dizia, toda empolgada: “ela tem cupins, mas também tem uma alma dentro dela!”. Com seu senso de humor peculiar, Maíra comentou: “Se tem alma, não traz para casa!”.

O problema é que eu tenho um fraco por almas. Venho de uma família de mulheres que falam com os fantasmas que vagam pela casa com a maior sem-cerimônia. Dava até pena do meu tio-avô, um homenzinho pequeno que passou a vida inventando objetos mirabolantes e deu a si mesmo um nome de passarinho. Quando ele arrastava os chinelos pelo assoalho, era despachado pela sua viúva: “Vai-te embora, Graúna, já disse que não te quero aqui!”. Para ele, a morte não mudou nada. A mulher continuava mandando em seu melancólico espectro.

Hoje é o primeiro dia da minha nova vida. Tenho que fazer um rearranjo completo na minha cabeça programada em mais de duas décadas de vida de funcionária. Não sigo mais uma lógica de segunda a sexta. Posso escrever às 6h da manhã de domingo, como faço agora. E ir ao cinema no meio da tarde de segunda-feira, como pretendo. Minha semana não terá mais finais e começos. Posso ficar acordada à noite e dormir de dia. Posso almoçar à meia-noite e tomar café ao meio-dia. Posso apenas ouvir a chuva batendo no telhado. Posso permanecer olhando para o teto por horas a fio.

O tempo é meu. Esta é a grande mudança. Vou perder dinheiro, segurança, carteira assinada, benefícios, férias remuneradas, décimo-terceiro. Em troca, retomo a propriedade do meu tempo. Me preparei para viver com pouco. Criei minha filha, comprei apartamento, não tenho um real de dívida. Só tenho agora que manter o meu corpinho. E ele é bem barato. Três pratos de feijão o deixam todo feliz.

Mantenho esta coluna exatamente aqui onde está. Ela faz parte do meu projeto de liberdade. Queria muito continuar, não sabia se queriam que eu continuasse. A ÉPOCA e a Editora Globo quiseram. Sou grata por isso. Assim como pela forma extremamente respeitosa com que a ÉPOCA e a Editora Globo trataram minha saída e meu desejo de reinventar minha vida.

Eu adoro escrever para vocês. E amo a internet. Então, toda segunda-feira estarei aqui, como sempre, logo de manhã, para pensarmos juntos sobre essa confusão que é a vida do mundo e a de todos nós.

Agora, vou abrir minha escrivaninha Xerife. Estaremos, eu e ela, com todas as gavetas de nossas almas escancaradas. De peito aberto, no vazio. Vamos ver o que conseguimos fazer juntas.

Torçam por mim! (Por nós!)

(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)