Pra Me Enlouquecer É Mais Caro

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terça-feira, abril 27, 2010

Existe serviço público eficiente. E gente boa trabalhando nele também

Essa história começa em 1999, quando minha mãe morreu. Desde então, tendo desdobrar um inventário empacado por diversos motivos. O fato é que no ano passado tirei 30 dias de férias pra correr atrás de regularizar documentos, dar baixa em hipoteca, retirar certidões e pedir nada consta aqui e acolá.

Certo. Só faltavam uns terrenos em São José de Mipibu, no Rio Grande do Norte. Coisa de uns 10 lotes que haviam sido comprados por meu pai no final da década de 70, haviam ficado pra minha mãe no divórcio deles, em 1988, e que estão arrolados neste bendito inventário.

Eis o perrengue. Cheguei a pagar o advogado anterior pra ir lá (e diária de advogado não é barata, creiam-me, ainda mais com esse deslocamento) e parecia que os terreos estava incruados, ninguém sabia onde se localizavam ou a quantas andava a dívida com a Prefeitura.

Acontece que pra finalizar o inventário, vc precisa estar quites com todos os impostos. Certo, pagar eu até quero, mas como?

Peitica tanto fiz que consegui pelo site da Prefeitura um telefone da Secretaria de Finanças, de onde me redirecionaram pro celular de um funcionário, que me enviou POR EMAIL os PDFs dos boletos bancários pro recolhimento dos impostos devidos.

Só isso já me deixou chocada porque, ano passado, eu levei CINCO HORAS pra ser atendida na Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes só pra pegar boletos de pagamento de IPTU. Ao voltar lá, com meu pai e, portanto, com ficha preferencial (ele tem 69) levei TRÊS HORAS pra ser atendida.

Imprimi os PDFs dos terrenos do Rio Grande do Norte e paguei. Enviei os comprovante por email pra o funcionário em questão e, no mesmo dia,ele me enviou a imagem escaneada do documento de Nada Consta da prefeitura municipal.

Lindo.

E o juiz? Aceitou?

É óbvio que não. Num primeiro momento, essa coisa de todo mundo ser inocente até que se prove o contrário é balela. É muito mais fácil presumir que o documento virtual não é válido, afinal de contas, eu supostamente vivo de dar golpes de falsificação, origem de toda a minha fortuna depositada nos paraísos fiscais do Caribe. Meu disfarce de jornalista morta-fome é só pra fugir das garras do fisco, evidente!

O que fazer?
Contratar um despachante?
Hum, sairia pelo menos duas vezes mais caro do que eu ir até lá pessoalmente resolver isso.

Passei um novo email, abrindo o meu coração e expondo a minha situação pra o funcionário de São José de Mipibu. Disse que me propunha a ir até lá. Mas que ele também ficasse à vontade pra me dar uma negativa em relação à proposta indecente que eu faria em seguida: propus que ele me desse o número de sua conta pra eu depositar o valor referente à autenticação do documento em cartório e posterior envio pra Recife.

Entenda, não era suborno, não propus nada além de um favor a uma estranha. Até porque eu acredito que só há gente corrupta por aí porque há outras gentes a corrompê-los (os corruptos). Eu não faço parte de qualquer uma destas cadeias. Coisas de educação, valores e moral. De gente besta. Pois tá. Eu sou, e daí?

Uma semana sem resposta. Achei que ele tinha ficado tão passado com a proposta que preferiu fingir que não recebeu o email.

Hoje pela manhã, recebi um telefonema dele. Ligando do celular dele. Pedi que desligasse pra que eu pudesse retornar (é o mínimo, né?)

Ele estava ligando apenas pra confirmar meu CEP, pois o Nada Consta já estava autenticado no cartório. Pedi o número da conta na qual deveria depositar o montante das depesas. Pra minha grata surpresa, ele disse que não seria necessário.

Entendeu? Ele me fez um favor. Sem sequer cobrar os montante pra autenticação e envio via Correios.

Olha, quando eu crescer, eu quero que pelo menos a metade dos organismos públicos brasileiros possam desfrutar desse tipo de profissional que é, no melhor sentido da palavra, um funcionário público. Ou seja: aquele que deve servir à população.

O nome dele? José Hilton Gurgel. Ele é Coordenador de Finanças da Prefeitura Municipal de São José de Mipibu. E me fez acreditar - com um gesto pequeno e grandioso - que o Brasil tem sim, conserto, juízo e, melhor de tudo, solidariedade.

Desejo a vocês que jamais precisem resolver problemas cartoriais. Se juntarem patrimônio, deixem testamentos, pois são mais baratos e simples. Mas se um dia precisarem, desejo que encontrem pelo menos um José Hilton Gurgel em suas vidas. 

Ele, definitivamente, fez a minha vida mais fácil. E mais feliz.