Pra Me Enlouquecer É Mais Caro

República Anárquico-frevocrática fundada em 2002 por Rainha do Maracatu Roubada de Ouro, Senhor do teu Anel e Catirina Sem Mateus. Atualmente é administrada pela Mulherzinha 3.4 e a Rainha do Maracatu Roubada de Ouro. Afinal de contas, nunca perdemos a nossa majestade

sexta-feira, março 21, 2003

Final de ciclo. Morro. E ressurjo
Decidi, finalmente, o final da minha estória que se desenrola há dez anos com o Médico Esquizofrênico. Ele me pede que eu seja amiga dele. Eu me propus a ser amiga dele no minuto em que o conheci. Agora, entretanto, preciso findar por aqui.
Deixo a cartinha que escrevi pra ele e que ainda não entreguei (escrevi ontem).
Por ora, rezo apenas para que eu consiga não apenas entregá-la, mas cumprir com aquilo que me proponho porque, vaca que sou, é bem capaz desse meu coração vagabundo esquecer, nunca de todos, mas sempre de mim mesma.
Bom, pra quem tem paciência....boa leitura (não agradável, mas me foi necessário escrever e publicá-la aqui é uma forma de firmar um compromisso comigo mesma...o compromisso de me proteger)

Maurtizstadt, março, 2003.
"Suntuosa, minha pena de ouro, vai pela folha, vai ao acaso enquanto ainda tenho alguma juventude, vai por teu lento caminhar irregular, hesitando como num sonho, caminhar desajeitado, mas sob comando. Vai, eu a amo, minha única consolação, vai pelas páginas em que tristemente me deleito e cujo estrabismo me delicia melancolicamente. Sim, as palavras, minha pátria, as palavras consolam e vingam. Mas não me devolverão minha mãe. Por mais aromáticas que sejam, e carregadas de sangüíneo passado batendo nas têmporas, as palavras que eu escrevo não me devolverão minha mãe morta.

(...)

E você, meu único amigo, você que estou vendo no espelho, reprima os soluços secos, e, já que tomou coragem, fale de sua mãe morta com um falso coração de bronze, fale calmamente, finja estar calmo, quem sabe não é apenas uma questão de hábito? Conte sua mãe à calma maneira dela, assobie um pouco para acreditar que as coisas não vão tão mal assim e, sobretudo, sorria. Sorria para ludibriar o seu desespero, sorria para continuar a viver, sorria no espelho e diante das pessoas, e mesmo diante desta página. Sorria com seu luto mais ofegante que um medo. Sorria para acreditar que nada importa, sorria para se forçar fingir a viver, sorria sob a espada suspensa da morte de sua mãe, sorria a vida toda até morrer desse permanente sorriso."
O Livro da minha mãe
(Albert Cohen)

Bom, conforme esperavas pensei. Pensei daquele jeito impune de pensar, daquela forma que fazia doerem até as pontas dos meus cachos. Cachos que já não mais tenho, cabeça raspada que me prometi um dia, aquela nova mulher pela qual eu ansiava e que, decerto, não me tornarei jamais.
Sermos Amigos?
Eu achava que o éramos, desde que nos conhecemos, passados quase dez anos. Parece-me que, mais uma vez, eu errei.
O momento entretanto, é propício a que eu me despeça.
Certas coisas jamais serão recuperadas, serão para sempre assim, partidas. Eu não acredito na “Gestalt”, pelo menos não numa Gestalt possível para mim. Certas coisas na minha vida ficaram pra todo o sempre assim, partidas. A ausência da minha mãe, a incapacidade de interlocução do meu pai...o teu desamor por mim.
“Desamor” pelo fato de que certas coisas não se pedem e eu me acostumei por deveras à tua ausência, a tua incapacidade de me proporcionar o mínimo de pouso seguro, de conhecer o meu mundo e me dares a oportunidade de te fazer sorrir, aquele sorriso amplo e franco que reverberas quando em minha presença (telefônica ou não).
É que tudo parece muito distante e essa coisa toda me cansa. Cansa-me esperar tua visita pelo natal, cansa-me te ver partir sempre, cansa-me até tua simples forma de querer decidir as coisas sempre assim, à tua maneira, quando te é conveniente, se melhor te apraz, sempre tu no centro das decisões, possibilitando ou não as coisas, decidindo o que é certo ou não. É certo?
Talvez de fato estejas pensando em mim ao “querer me dar uma definição”. O problema, é que não preciso mais dela. Eu já não a peço mais desde o meu aniversário de 25 anos.
“Dar tempo ao tempo” eu já dei. “Crer em Deus”? Deposito minha fé nele eternamente. Quanto ao “confiar no teu (meu) coração”, digo-te que ele jamais me foi bom conselheiro e que sou sempre eu quem guarda e carrega a mágoa do mundo inteiro e que se, de fato, pensasses em mim, pensarias na possibilidade de encerrar por aqui - de forma definitiva - essa “Gestalt”, que será para sempre incompleta e rota, assim como o meu coração, ou pelo menos o que restou de ti dentro dele.
Se eu te amo? Sim. Se te acho má pessoa? Jamais! Se te quero como amigo?
Já quis. Já achei que era possível. Hoje em dia, entretanto, gostaria de me colocar em primeiro lugar, nem que fosse uma vezinha só pensar em mim e no que me é menos prejudicial, no que me é mais fácil ou menos pesaroso.
Mas lembra-te do “decidi algumas coisas e entre elas é que preciso de você na minha vida”?
Se parasses para te ouvir, verias que a decisão, mais uma vez, seria confiada a ti e ao que fosse melhor para ti. A mim? Restaria como sempre e mais uma vez te oferecer o que guardo de melhor: o meu sentimento. “Quando penso em ti eu penso num enorme coração. Um coração apenas”.
É que esse mesmo coração está cansado, alquebrado e mais uma vez vai te ver assim, chegando ou partindo, quando melhor te aprouver, quando e se te for possível.
Sim eu sei que não pudeste me visitar no Natal. Mas não faz diferença. Diferença mesmo faz é que jamais estou na lista das prioridades. Se eu faço questão de ser prioridade?
Não faço mais. Eis o problema.
Quero me proteger, dar a mim mesma o luxo de fugir, de levantar minhas paliçadas e bater em retirada, começar de novo, mudar de endereço, modificar o que me incomoda e o que (ainda) está ao meu alcance.
Desculpe, minha falha. Eu não serei capaz de ser sua amiga. Eu preciso de um mínimo necessário que jamais serias capaz de me oferecer. E não me venhas com “certas coisas não se pedem” ou ainda “não faça nada esperado qualquer coisa em troca” . Eu sei de tudo isto e agi assim até então, ajo assim por todo o sempre desde que me entendo por gente e a propósito, eu, como qualquer pessoa honesta e consciente, também prefiro as manifestações amorosas/ fraternais espontâneas.
E sendo racional, pela primeira e definitiva vez, eu é quem preciso ir embora.
Irônico não é?
Preciso partir, deixar que todo esse turbilhão, que essa lágrima salgada, que todas as minhas lembranças de inúmeras vezes em que falhaste comigo desapareçam para todo o sempre.
Se eu te faço bem?
Não tenho quaisquer dúvidas quanto a isto.
Se me queres em tua vida?
Também não tenho dúvidas de que isso seria bom para ti.
Mas talvez seja chegada a hora de eu dizer finalmente “Eu fiz a minha parte” e “segue agora a tua trilha”. Nada mais tenho a te oferecer, pois não sou mais capaz.
Quanto a mim, o que me oferecerias para que eu ficasse?
Absolutamente coisa alguma. Ou pelo menos coisa alguma que eu já não tenha. Eu não conseguiria agora passar por cima de tudo e, ao primeiro “deslize”, toda a minha lágrima derramada retornaria com a intensidade de uma tempestade. Eu não posso mais ficar à mercê disso. Ainda que eu cometa erros, meu querido, há certos erros que não posso cometer novamente.
E, para crescer, eu preciso, inclusive, cometer erros novos. Mas principalmente e acima de qualquer coisa, preciso acertar também, preciso me deixar ser cuidada não só por quem me ama, mas por quem me ama a ponto suficiente de estar a meu lado, de me apoiar, de não fugir, de ter o mínimo de carinho, atenção e disponibilidade possíveis.
O mínimo, entendes? Apenas o mínimo.
E eu tenho tanto disso que não seria justo eu pedir qualquer coisa entendes? Não sei se conseguirias promover as cócegas no meu coração que meu amigos me fazem de forma gratuita e espontânea, de estarem felizes apenas pela minha presença, de me fazerem felizes também pelo simples fato de que eu sou, realmente, este “enorme coração” e que reflito e transmito issso a todos que me cercam.
Se dizes ter de fato mudado, fico feliz não só por ti, mas por todos os que convivem contigo e que irão se beneficiar destas mudanças (antes tarde do que nunca).
Eu? Eu não. Eu não posso mais.
Eu preciso é viver mais, ter menos medo do que ainda tenho, ter uma capacidade ainda maior de amar e de ser feliz.
Se poderias fazer parte disso?
Sim. Entretanto, seria um outro, não tu. Não tu.
Apenas para reiterar, eu não acredito na Gestalt.
Ou melhor; não acredito que toda Gestalt é possível. Algumas não são. Algumas serão sempre rotas, rompidas em definitivo e dispensam quaisquer lenitivos.
Eu sobrevivo sem a minha mãe. Meu coração, entretanto, não se recuperará jamais.
Mas sobrevivo, não é verdade? E quem pode dizer algo em contrário?
Viu como é possível?
Deixo-te com as palavras de Serge Gainsbourg....

“Je suis venue te dire que je m’en vais
Et que tes larmes ne pourront rien changer
(...)
Je suis venue te dire que je m’en vais
Et que je t’amait”


“Vim te dizer que estou de partida
E que tuas lágrimas nada mudarão
(...)
Vim te dizer que estou de partida
E que eu te amava”